A indigestão do mercado de proteínas alternativas – que ainda não se tornou a realidade que todos esperavam lá atrás e tem trazido prejuízos subsequentes de gigantes do segmento como Beyond Meat e Impossible Foods nos Estados Unidos – não parece assustar novos players.

Ao invés de reduzir o apetite, algumas startups decidiram inovar dentro do mercado plant based, que já era inovador. Para elas, a dificuldade dos gigantes traz uma oportunidade: criar alternativas que tornem essas proteínas mais escaláveis em produção e mais acessíveis ao consumidor.

Uma dessas alternativas são os processos de fermentação de proteínas derivadas de fungos e cogumelos. A brasileira Typcal aposta no chamado “fungo do futuro”, o micélio, para criar uma espécie de “peito de frango vegetal”.

O micélio é um fungo que cresce como uma trama entrelaçada sob o solo. Os cogumelos são o fruto do micélio, numa relação parecida com galhos e folhas de uma fruta. O micélio funciona como os galhos, mas abaixo da superfície da terra.

Segundo o CEO da startup, Paulo Ibri, o produto traz algumas vantagens frente aos vegetais que comumente são usados no universo plant based, como a soja. As principais seriam, de acordo com ele, a textura e a composição nutricional do micélio. Por ser a parte vegetativa do fungo, ele tem a capacidade de replicar a estrutura física de um corte inteiro, algo que a soja, por exemplo, não consegue.

“Quando replicamos e criamos essa estrutura do ‘peito de frango’, temos apenas três ingredientes na composição. As proteínas mais tradicionais do plant based são 15. Conseguimos entregar um produto com zero gordura e mais fibra e proteínas”, comenta Ibri.

A companhia prevê começar a venda do seu produto em setembro. Atualmente a startup opera numa planta piloto em Curitiba, que possui uma capacidade de produzir 100 kg desse “peito de frango” por mês.

“O objetivo dessa primeira inserção no mercado é pegar feedback para fechar parcerias com outras grandes empresas”, explica Ibri. “A ideia é, até fevereiro do ano que vem, aumentar a produção em 10 vezes, atingindo uma tonelada”.

O processo de incorporar o micélio ao negócio foi se dando ao longo do tempo. A Typcal foi fundada em 2019, e segundo o CEO, sempre trabalhou com proteínas alternativas, tentando equilibrar saudabilidade com escalabilidade e sustentabilidade.

Um dos seus primeiros produtos foi uma proteína à base de ervilha. Ao longo dos anos, a empresa percebeu, no entanto, que algumas práticas do plant based entravam em conflito com esses três pilares.

“Entendemos o plant based como importante numa jornada dos flexitarianos, mas queríamos algo novo, que pudesse mudar a companhia de patamar e que fosse escalável”.

A empresa se deparou com o micélio em meados de 2021. Na época, montou uma estrutura de biotecnologia para trabalhar com a fermentação de fungos e percebeu que o produto tinha mais afinidade com o que eles buscavam, na comparação com outros vegetais.

“Quando comparamos métodos produtivos de proteínas, o micélio consome muito menos recurso do que qualquer outra proteína, menos que soja e ervilha. Isso se dá porque ele cresce num ambiente fechado, numa estrutura vertical que usa muito menos água”, comenta o CEO.

“No caso da soja, por exemplo, por mais que ela seja escalável, a saudabilidade é discutível, mas não é sustentável, pelo tanto de água que é utilizada no cultivo”, diz.

O negócio da Typcal tem animado alguns investidores. Após captar mais de R$ 5 milhões desde 2020, num movimento que atraiu o treinador de vôlei Bernardinho e seu filho Bruninho, a companhia já mira uma rodada série A de R$ 30 milhões no primeiro trimestre de 2024.

Corrida global

A ideia de trazer cogumelos e fungos para o mundo plant based chama uma atenção milionária também fora do Brasil.

Nesta semana a startup britânica Enough levantou um investimento Série C de US$ 43,5 milhões, em uma rodada liderada pelos fundos World Fund e CPT Capital, gestora que foi uma das primeiras investidoras na Beyond Meat. Ao todo, essa foodtech já levantou mais de US$ 100 milhões.

A Enough, fundada em 2015, desenvolveu uma proteína chamada Abunda. Os fungos utilizados no processo passam por uma fermentação de biomassa, em que são alimentados com açúcares provenientes de grãos de origem sustentável, fornecidos por uma unidade de processamento de amido da Cargill.

O uso do micélio e desses fungos não são exclusivos para o setor de alimentos. A Adidas, uma das maiores marcas de roupas e calçados esportivos do mundo, lançou um tênis em 2021 que utiliza o micélio na fabricação.

Em um comunicado oficial, a companhia alemã afirma que aproveitou técnicas de agricultura vertical para cultivar o micélio e utilizá-lo na produção de um tecido que substitui o couro no modelo Mylo.

Segundo a Adidas, o “couro” de micélio é confeccionado em um processo de cultivo que demanda somente duas semanas para começar a crescer.

"A introdução do Mylo como novo material é um grande passo para nossa meta ambiciosa de ajudar a acabar com o lixo plástico", afirmou Amy Jones Vaterlaus, head global de Futuro na Adidas, em comunicado oficial.