Consumismo

Consumismo (1)

Em Sobre A Arte De Viver, Roman Krznaric analisa as lições que o passado oferece, inclusive a respeito dos dois aspectos simétricos da história do dinheiro:

  1. como o consumismo se tornou ideologia dominante de nossa era; e
  2. se podemos prosperar na frugalidade, tornando-nos especialistas em vida simples.

Pela primeira vez na história, no século XX, fazer compras tornou-se uma forma de lazer. Ao entregarem-se a uma pequena terapia “comprista”, quase um entre dez ocidentais se tornaram oniomaníacos, ou seja, viciados em compras. A farra comprista tornou-se o modo de levantar o ânimo ou a autoestima. A maioria das pessoas deseja os confortos, conveniências e belezas do consumismo. O pensamento do “eu mereço” predomina como autojustificativa. Na sociedade do consumo, expressa-se quem somos através do que compramos, tipo “compro, logo existo”…

Essa cultura consumista é um desenvolvimento recente pós-industrial. Antes, o ato de comprar, em si, não era considerado uma rota para a satisfação pessoal ou a autorrealização. A palavra “consumidor”, até meados do século XVIII, era pejorativa e designava o sujeito esbanjador ou perdulário. Foi só a partir do início do século XX que confundimos a vida boa com uma vida de bens.

A origem e a ascensão do hábito de fazer compras está nas novas atitudes em relação à riqueza que emergiram no início do período moderno entre os séculos XVI e XVIII. Antes, a preocupação maior era evitar a pobreza em vez de enriquecer. Com o capitalismo comercial adquirir riqueza tornou-se ambição pessoal muito difundida.

Curiosamente, Roman Krznaric aponta outra razão para essa mudança cultural: “talvez tenha sido o surgimento da ética protestante, no século XVI, pregando que abrir um negócio era um passo piedoso na vida econômica”. Ela se distingue da ideia de relacionar essa ética com a frugalidade, a parcimônia, a poupança, ou seja, o anticonsumo. Mas o pensamento econômico no século XVIII racionaliza o comportamento consumista ao afirmar que “ao maximizar os interesses materiais, os indivíduos gastadores beneficiam a sociedade em geral”.

O novo modelo do “homem econômico, idealizado pelos economistas, legitimou socialmente a busca de riqueza, tornando-a o motor da sociedade de consumo. À medida que o crédito tornou-se mais acessível, a classe burguesa de elite passou cada vez mais comprar bens de luxo. As feiras medievais deram lugar às lojas comerciais estabelecidas.

Na revolução do consumo, até os artesãos, artífices e agricultores começaram a imitar a incipiente burguesia dividindo seus lares em dois:

  1. parte era cheia de “bens para exibição no palco”,
  2. outra parte era a dos “bens dos bastidores”, onde ficavam os bens usados na vida diária.

O resultado foi uma nova cultura do “desejo ilimitado”, uma nova maneira de viver. O status passou a se confundir com a exibição de riqueza.

No final do século XVIII, o consumismo estava longe de dominar culturalmente como ocorre em nossa época. Até que ocorre a ascensão da loja de departamentos, no século XIX, transformando o hábito de comprar. Sua ambição era democratizar o luxo: usar a vantagem da compra em grandes volumes e da fabricação em massa para manter os preços acessíveis, de modo que bens de consumo previamente só acessíveis à elite pudessem ser comprados pela classe média em ascensão. Transformou-se em um complexo de lazer. Alcançou o objetivo supremo na era do consumo: fabricar novos tipos de desejo, induzir as pessoas a comprar coisas que jamais imaginaram necessitar. Estabeleceu novos padrões de respeitabilidade burguesa.

Compras e estilo de vida se fundiram em uma coisa só, transformando por completo a arte de viver de três maneiras diferentes:

  1. promovendo valores consumistas;
  2. aprofundando a ansiedade de status; e
  3. roubando nossa liberdade pessoal.

Nossos hábitos consumistas são muito menos escolhidos por nós do que gostaríamos de imaginar. A cultura do consumo talvez tenha sido uma das culturas públicas menos consensuais que o ser humano já criou. Tornou-nos espiritualmente mais pobres. O consumismo nos estimula a definir a liberdade como escolha entre marcas.

Vida boa torna-se uma questão de satisfazer desejos consumistas em detrimento de alternativas como:

  1. passar o tempo com nossas famílias ou amigos;
  2. desfrutar nosso trabalho; ou
  3. viver de maneira ética.

Nossos valores tornam-se valores materiais. É uma livre escolha sempre que compramos alguma coisa além de nossas necessidades essenciais? Como chegamos a esse desejo?

A “ansiedade de status” surgiu, a partir do século XVIII, quando nosso sentido de valor pessoal e de posição na sociedade tornou-se intimamente vinculado ao dinheiro que ganhamos e ao modo como o gastamos. Dinheiro virou uma qualidade ética! Se não exibimos sucesso financeiro com aquisição de bens nos sentimos diminuídos aos olhos do mundo, uma pessoa menor!

Com essa postura, vemo-nos então trabalhando cada vez mais arduamente para ganhar dinheiro a fim de satisfazer os desejos consumistas. Nessa ânsia, elevamos o endividamento pessoal para adiantar poder de compra.

No próximo post, mostraremos o caminho de uma vida satisfatória não está em fazer compras até morrer, mas em descobrir os prazeres de um estilo de vida não materialista, que oferece uma abundância de tempo livre. Trata-se de:

  1. criar uma alternativa aos vícios do consumismo e
  2. transformar a vida simples em uma forma de arte.

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