Por Ana Beatriz Fogaça*, g1 Ribeirão Preto e Franca


O congelamento envolve a coleta dos óvulos da mulher e sua armazenagem para uso futuro — Foto: GETTY IMAGES/BBC

Há três anos, em meio a mudanças na carreira profissional, a consultora de investimentos Sara Chiarapa, de Ribeirão Preto (SP), decidiu congelar os óvulos, como uma maneira de manter vivo o sonho de ser mãe no futuro. Na época, ela tinha 34 anos.

“A sociedade te acha velha com 35 anos pra ser mãe, né? Pra não ficar sob pressão, o congelamento fez todo sentido na minha vida, me trouxe paz, me trouxe tranquilidade”, diz Sara, hoje com 37 anos.

Com foco nas realizações profissionais, mas atentas às menores chances de uma maternidade tardia, mulheres como ela, e com condições de pagar pelo procedimento, encontram no congelamento de óvulos (entenda ao longo da reportagem como funciona o método) a resposta para um dilema comum no universo feminino e que fica evidente nas estatísticas dos nascimentos no Brasil.

Em 13 anos, o número de mulheres de 35 a 39 anos que tiveram filhos subiu 46,4% no país, segundo registros do DataSUS entre 2010 e 2022 (veja o gráfico abaixo). Em contrapartida, o total de mães mais jovens, com idades entre 20 e 24 anos, e de 25 a 29 anos, vêm caindo.

Para a ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana Rebeca Brandão, a procura pelo congelamento de óvulos é um movimento que cresce e se tornou uma opção para as mulheres programarem a maternidade.

“Antigamente nossas mães eram mães com 20, 25 anos. Hoje em dia a mulher quer se estabilizar no mercado de trabalho, quer ter sua independência, só que essa independência demora um pouco pra acontecer. Quando isso acontece vem realmente o desejo da maternidade e a gente já está muitas vezes acima dos 35 anos”, afirma.

Transição de carreira

Foi o que aconteceu com Sara quando decidiu congelar os óvulos em 2021. Aos 34 anos, ela era uma profissional concursada que havia acabado de decidir empreender, vivia um relacionamento à distância e em plena pandemia da Covid.

Sara decidiu realizar o congelamentos de óvulos em Ribeirão Preto, SP — Foto: Arquivo Pessoal

Com a sensação de que os planos de formar uma família teriam que ser adiados, ela entendeu que precisaria de mais alguns anos para se programar melhor e comunicou ao namorado a decisão de congelar os óvulos.

“O homem não se afeta em praticamente quase nada com o passar do tempo, então a decisão foi conversada com ele, mas tomada por mim, porque o custo da decisão foi todo meu, todos eles, o custo emocional ou psicológico, o custo financeiro, físico, fica todo com a mulher", relata.

No caso de Sara, foram quatro procedimentos para obter um número seguro de óvulos, e os efeitos colaterais decorrentes das medicações necessárias variaram em cada um deles. Houve momentos em que ela não sentiu nada, mas em outros teve ansiedade e tristeza.

“Os últimos dois foram mais pesados. O último, emocionalmente falando, foi o pior de todos, eu senti bastante. É como se você tivesse na TPM por 12 dias, aquele dia da TPM que você fica chorona", lembra.

Hoje, ela acredita que o procedimento valeu a pena por dar a ela uma alternativa para o caso de não conseguir engravidar da maneira convencional.

“Eu tenho a opção de usar ou não, isso me traz uma segurança. Pode ser que amanhã eu case e não precise de nada disso, mas tenho."

A médica ginecologista e obstetra Rafaela Ishimura, de Ribeirão Preto (SP) — Foto: Arquivo pessoal

Um presente para o futuro

A médica ginecologista e obstetra Rafaela Ishimura trabalha em uma clínica de fertilidade e convive com esse dilema diariamente no consultório. Em fevereiro, ela decidiu que era a vez dela de congelar óvulos.

“Às vezes fica aquela sensação ‘meu tempo está acabando, tenho que engravidar’. Então é muito ruim ter essa sensação de pressa, de querer apressar o curso das coisas por causa do nosso relógio biológico. Isso era uma coisa que vinha à minha cabeça há algum tempo”, diz.

Após fazer os exames necessários, a médica conseguiu colher uma quantidade segura de óvulos em apenas um procedimento. Mesmo com o apoio da família, que ajudou na recuperação, ela relata que houve momentos de dúvida durante o processo.

“Não é fácil pra gente assumir que agora não é o momento e que eu nem sei se eu quero ser mãe, eu acho que isso que é a questão mais importante. Talvez sim, talvez não, mas na dúvida é melhor ter essa poupança, essa reserva”, afirma.

Como médica e agora paciente, Rafaela reforça a importância de a mulher decidir sozinha por realizar ou não o congelamento de óvulos. “Isso é uma decisão da mulher, independente do namorado. É essencialmente da mulher mesmo.”

Ela lembra ainda que o planejamento reprodutivo é também pensar no futuro, já que, com uma idade avançada, a trajetória para engravidar naturalmente ou com a ajuda médica é mais difícil.

“Sempre falo para as pacientes: é um presente que eu estou deixando para a Rafaela do futuro e, se eu não usar, tudo bem, posso descartar, posso doar, mas é uma segurança."

Como funciona o congelamento de óvulos?

O primeiro passo para a mulher realizar o congelamento de óvulos é fazer exames de sangue e o ultrassom para avaliar a reserva ovariana, que representa a quantidade de folículos, estruturas que contém os óvulos presentes nos ovários e que são limitados.

De acordo com a ginecologista Rebeca Brandão, é através dessa avaliação de reserva ovariana que se escolhe o protocolo de medicações que vai ser utilizado. "O objetivo do congelamento de óvulos é estimular todo o potencial que aquele ovário tem a oferecer", diz.

Na fase das medicações, os efeitos colaterais mais comuns são:

  • Dor de cabeça
  • Sensibilidade nos ovários
  • Sensibilidade mamária
  • Alterações de humor

O tempo de estímulo com a medicação pode durar aproximadamente 11 ou 12 dias, a depender da reserva ovariana e da resposta do corpo de cada mulher.

Durante esse período, a paciente precisa fazer acompanhamento com ultrassom para que a coleta de óvulos seja feita no momento certo.

“Essa coleta de óvulos é feita em centro cirúrgico, é um procedimento que acontece sob sedação leve, como por exemplo em procedimentos como endoscopia."

A médica explica que existe um "número de ouro" de óvulos congelados, que depende da idade e da reserva ovariana de cada mulher: em uma mulher de 35 anos, são em torno de 20 óvulos maduros.

“Dentro dos estudos se fala que, utilizando esses 20 óvulos, até 80% das mulheres vão conseguir ter pelo menos um filho. Se a gente for deixar pra congelar em idades mais avançadas, 38, 39 anos, essa probabilidade vai caindo."

A ginecologista especialista em reprodução, Rebeca Brandão de Ribeirão Preto, SP, conta como funciona o procedimento — Foto: Arquivo Pessoal

Após o procedimento, é recomendado que a mulher fique em repouso por um dia e sem atividade sexual ou intensa por cinco dias.

Para a médica, é importante que as mulheres saibam a importância do planejamento reprodutivo ainda jovens.

“Às vezes a gente tem planos de vida e que muitas vezes esses planos não se concretizam. O congelamento de óvulos é como se a você de agora estivesse olhando pra você lá da frente", diz.

*Sob supervisão de Thaísa Figueiredo e Rodolfo Tiengo

VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!