Martinho da Arcada celebra 240 anos entre bicas e poesia

Martinho da Arcada celebra 240 anos entre bicas e poesia


O histórico café de Lisboa assinala em janeiro 240 anos de existência, pretexto para um programa de comemorações com a publicação de um livro, tertúlias e um recital de poesia.


Pessoa tomou ali um café três dias antes de morrer. Muitos outros vultos da nossa cultura também por ali foram passando, e com eles o tempo, os anos. São já 240 e a única constante é que o Martinho da Arcada continua de portas abertas. “Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa’”, dizia George Steiner. E a verdade é que é impossível desenhar Lisboa sem o Martinho da Arcada. Agora, as comemorações procuram celebrar a vida do café mais antigo de Lisboa – inaugurado em janeiro de 1782 pelo Marquês de Pombal, que morreria nesse ano – e com uma história intimamente ligada à literatura portuguesa e não só. Entre as personalidades ilustres que passaram pelas mesas do Martinho da Arcada, muitas deixaram escritas “passagens memoráveis” no livro de honra do café. Agora, esses testemunhos são reproduzidos numa monografia que evoca as etapas mais significativas daquele espaço histórico da Praça do Comércio, e que foi recentemente lançada por Luís Machado, também escritor e secretário-geral da Associação Portuguesa de Escritores (APE), intitulada Martinho da Arcada, um café de todos nós. Ao longo das suas 124 páginas ilustradas com fotografias de época e atuais, encontram-se também os diversos depoimentos que várias personalidades da vida pública portuguesa prestaram sobre o Martinho da Arcada, como é o caso de Agostinho da Silva, Álvaro Siza Vieira, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa, mas também o seu heterónimo Bernardo Soares.

Contextualizando datas e nomes que marcaram a historia do café, o livro conta ainda alguns dos episódios mais marcantes que ali ocorreram. Luís Machado, responsável pela dinamização cultural do espaço e conhecedor da sua história, contou certa vez ao i alguns desses segredos: “Poucas pessoas sabem disto, mas a verdade é que a Carta Constitucional portuguesa de 1826 foi redigida no Martinho”. “Tornou-se também um ponto de encontro secreto da maçonaria, isto porque o dono [Alfredo Mourão] era o grande tesoureiro do Grande Oriente Lusitano. Com a lei de 1935, que visava a ilegalização e dissolução das sociedades secretas em Portugal, os membros da maçonaria passaram a ter de reunir em triângulo [apenas três membros] e em locais secretos, como cafés ou casas particulares. O Martinho da Arcada era um deles”, afirma Luís Machado. “Tudo passou por ali: jacobinos, monárquicos, republicanos, maçons, anarquistas, todos conspiraram naquele espaço”, acrescenta.

Além da publicação da monografia ilustrada (editada pela Âncora) o plano das comemorações do aniversário do café conta ainda com o regresso do ciclo de tertúlias “Rostos da Portugalidade”, uma iniciativa lançada originalmente em 2009, quando o café esteve em riscos de fechar, com o objetivo de o dinamizar. Estas tertúlias regressam no dia 18 de novembro para uma primeira sessão que terá como convidado o cineasta António-Pedro Vasconcelos. Pelo meio, haverá ainda um recital de poesia dedicado a Fernando Pessoa e seus heterónimos, intitulado “Pessoa, Infinitamente plural”, que decorrerá no dia 27 de novembro, pelas 17h e que será de entrada livre.